Argentina I - Viagem ao Redor do Mundo do Vinho, 2007

O que segue nos próximos relatos e fatos é exatamente o que inclui em meu blog anterior: http://wineworld.spaces.live.com/
A idéia de trazer para este novo espaço é para manter as informações em um lugar somente.
Não revisei ou alterei nenhum comentário ou idéia, pois creio que cada experiência tem seu momento particular. Talvez hoje tivesse outras opiniões sobre alguns assuntos, mas, aquelas que aqui reproduzo pertencem a aquele tempo.
Nesta 3ª parte relato minha experiência em Buenos Aires, em março de 2007.


ORGULHO NACIONAL

O vinho é um dos orgulhos nacionais, na Argentina. Os nativos o defendem e se orgulham dele com a mesma empolgação de que tratam qualquer paixão.
Apreciam vinho e tem como hábito consumi-lo. Embora o consume interno tenha decaído muito nas últimas décadas (de 90 litros na década de 70 para 30 litros nos dias atuais) quando o consumidor argentino deixou a tradição de lado em prol de produtos mais baratos e com grande apelo ao público jovem, como cerveja e refrigerante - a Coca-Cola foi um substituto para o vinho que era consumido com a combinação de água gaseificada, para atenuar o estilo pesado que o vinho tinha.
Com a redução de consumo interno e a crise econômica, a viticultura argentina enfraqueceu e a saída foi buscar consumidores no mercado externo.
Naquele momento, início dos anos 90, o vinho argentino não agradava ao paladar de outros consumidores e a solução foi moldar a indústria nacional aos padrões dos consumidores internacionais.
1992 é conhecido como o ano da virada, quando uma profunda mudança de conceitos gerou uma revolução na indústria nacional, combinada com um período de estabilização econômica investimentos externos.
Seguindo este novo conceito, em 1995, os produtores arrancaram 15000 hectares de uvas híbridas, replantando em seu lugar 7700 hectares de castas mais nobres, da família Vitis Vinifera. Surgiram no mercado, em conseqüência, bons brancos argentinos a partir das cepas Chardonnay e Torrontés e, tintos feitos de Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah e, especialmente Malbec, esta última teve um desenvolvimento espetacular, tornando-se um "porta-estandarte" da produção argentina e sua marca registrada.

EXPERIÊNCIA PORTEÑA

Viajar de forma independente tem sido uma boa experiência. Como não tenho um roteiro completamente estabelecido, tenho a flexibilidade de adaptar-me ao que a localidade oferece e - como não faço muita expectativa - sempre tenho boas surpresas.
Não sabia exatamente o que encontrar em Buenos Aires que pudesse agregar no meu estudo de vinho. A não ser o experimento do mesmo.
Busquei informações na internet sobre cursos que pudesse fazer, enquanto na capital, porém não consegui conciliar nada com os dias de minha estada. Continuei minha busca ao chegar na cidade e, achei uma ‘charla’ sobre a carreira de sommelier no Centro de Enologos de Buenos Aires (C.E.B.A.) da qual poderia participar e, imaginei que seria uma boa oportunidade de ouvir um pouco dos locais.
O C.E.B.A. iniciou sua atividade em 1945 e desde então segue fiel ao seu propósito de propagar o conhecimento e desde 2003 forma profissionais na carreira de sommelier.
Foi uma conversa informal, da qual participaram os professores do centro (experientes profissionais) e alunos em potencial. Também foi uma excelente oportunidade de conhecer como os argentinos se relacionam com o vinho e sua produção e comercialização.

Eu era a única estrangeira no grupo o que me fez um foco de curiosidade. Fui convidada a participar de um curso no dia seguinte que abordaria a produção de vinho artesanal. Adorei a idéia de colocar a "mão na massa" ou mosto melhor dizendo e após uma bem-vinda degustação de vinhos que o próprio C.E.BA. produz, combinamos os detalhes para o dia seguinte.

ELABORAÇÃO DE VINHOS ARTESANAIS

O C.E.B.A. mantém uma pequena vinícola na cidade de Luís Guillón, na região metropolitana, onde produzem vinhos 100% Cabernet Sauvignon e o de corte Sauvignon Blanc - Chenin com uvas originárias de General Alvear na Província de Mendoza.
Este foi o lugar do meu primeiro curso relacionado a vinho na América do Sul e onde fomos recebidos por um simpático senhor de 97 anos que é proprietário do local e concede parte deste para o C.E.B.A. fazer a alquimia do vinho. Don Luís, como é chamado, foi um anfitrião atencioso e nos fez sentir em casa.
O grupo era pequeno, éramos apenas 4 incluindo nosso instrutor Juan que compartilhou sua experiência e paixão pelo assunto.
Como o grupo era pequeno, o ambiente informal e acolhedor, tivemos a oportunidade de estarmos bem próximos de todo o processo e tirar as dúvidas relacionadas.
O curso deu-me uma visão mais científica da produção de vinho, relatando os componentes que envolvem todo o processo de elaboração seus controles e medidas, necessários a dar equilíbrio e uma "mãozinha" ao processo natural.
Acompanhamos em teoria todo o processo relacionado com a produção desde a propagação da vinícola para receber as uvas até o engarrafamento do vinho. Antes de partirmos para a prática era hora do almoço e fomos convidados à mesa para compartilharmos a comida e vinho, da propriedade obviamente.
Nosso almoço e vinho estavam ótimos e combinado com a descontração do grupo fez deste uma ótima experiência da hospitalidade argentina.
Entre conversas sobre vinho e vinhedos discutimos preferências, tendências, mercado e tudo relacionado ao assunto que todos demonstraram o mesmo fascínio.
Esta foi minha primeira experiência de dividir a mesa onde todos compartilham a paixão pelo vinho e me senti muito bem, como em um grupo de amigos que se reúne esporadicamente para matar a saudades.
Após o almoço, iniciamos a parte prática do curso:
1) Esmagamento e desengaço da uva - os cachos são inseridos em um esmagador/desengaçador, onde as uvas são separadas de seus cabos e esmagadas por rolos para se expor o sumo rico em açúcar as leveduras e aos engaços. O mosto (resultado da uva esmagada) é então armazenado em um cilindro de aço inox;
2) Adição de leveduras ao mosto - há leveduras necessárias à fermentação na pele das uvas. Caso se prefira usar leveduras cultivadas, elas são adicionadas ao mosto nessa etapa para dar início à fermentação;
O processo que se segue é a Fermentação, que se completa de 4 a 7 dias, sendo que, embora a hospitalidade fosse grande, não poderíamos acompanhá-lo por completo.

Ao encerrar nossa "eno-imerssão" ficou a confirmação de que para se produzir um produto com potencial de venda no competitivo mercado de vinho, tem-se que empregar as técnicas corretas, usar os equipamentos adequados, conhecer o mercado e envolver-se com dedicação e comprometimento e, se a paixão pelo vinho esta associada, com certeza resultará um bom produto.

DESPEDIDA DE TERRAS HERMANAS

Além de produção caseira, degustei vinhos que facilmente encontra-se no mercado nacional. Entre eles, o emblema nacional Malbec - uma uva que é encontrada em quase todo o território argentino e que é mais macio em tanino do que imaginava; Sauvignon Blanc - que mais aromas de grama e aspargos e menos de frutas tropicais, tão associados com os exemplares do mundo novo; Pinot Noir - procedente da Patagônia, um lugar que esta se firmando como região produtora e especializando-se nesta variedade.
Há uma grande variedade de vinhos disponíveis no mercado, a grande maioria de Mendoza, e os preços são variados, porém é fácil encontrar vinho de boa qualidade por preços ótimos.
A Argentina apresenta várias condições favoráveis para uma produção barata de vinho e apresenta uma ótima relação custo-benefício para o comprador, o que, além da qualidade, a faz uma potente vendedora, sendo atualmente o quarto maior produtor mundial com 1,5 bilhão de litros anuais.
Com certeza, é um exemplo a ser observado.


Até a próxima!
Marcia Amaral