Brasil - Viagem ao Redor do Mundo do Vinho, 2007

Durante boa parte do ano de 2007 tive uma experiência enriquecedora e inesquecível, uma Viagem ao Redor do Mundo do Vinho.

Minha escolha por passar boa parte daquele ano viajando e experimentando ao máximo a vitivinicultura, deu-se logo após meus exames na WSET (Wine and Spirit Education Trust), quando ainda vivia em Londres. Percebi que tinha uma boa base de formação, porém, ainda havia um mundo a ser descoberto e, nada melhor que fazer-lo ‘in situ’.

O que segue nos próximos relatos e fatos é exatamente o que inclui em meu blog anterior
http://wineworld.spaces.live.com/
A idéia de trazer para este novo espaço é para manter as informações em um lugar somente.

Não revisei ou alterei nenhum comentário ou idéia, pois creio que cada experiência tem seu momento particular. Talvez hoje tivesse outras opiniões sobre alguns assuntos, mas, aquelas que aqui reproduzo pertencem a aquele tempo.

Nesta 1ª parte relato o Brasil, de onde sou natural, entretanto, conhecia pouco de sua viticultura.


SURPRESAS NATIVAS

O que imaginava encontrar quando voltei para o Brasil eram produtos similares aos que comprava; sem muita regularidade; antes de trocar o país tropical pelo frio cinza da Grã-Bretanha e, um pouco antes de descobrir o vinho como meu caminho. Para minha surpresa eles e multiplicaram muito, acrescentando uma grande variedade e muita qualidade às opções que se dispunha a 5 anos atrás. Parte desta contribuição é de vinhos estrangeiros e outra grande parcela de vinhos nacionais.

Vinho continua sendo uma opção cara para o padrão econômico da maioria da população brasileira e, perde em muito para a preferência nacional: cerveja, que cai muito bem nos dias quentes que a grande maioria do país tem, em boa parte do ano. Porém, vêm crescendo a demanda, principalmente para os apreciadores de uma boa comida que têm a bebida como acompanhamento.

Muitas foram as surpresas na minha 'redescoberta' do vinho brasileiro, que me mostrou nunca o haver descoberto.


COMO TUDO COMEÇOU

O primeiro vinho do Brasil foi produzido em São Paulo, no bairro Tatuapé, em 1551. Ali foram plantadas as videiras que Brás Cubas tentou fazer vingar sem sucesso no litoral paulista.

Na metade do século XVI, os portugueses plantaram videiras em locais como Bahia e Pernambuco e os missionários jesuítas no Rio Grande do Sul.

O renascimento dos vinhedos no Sul se dá com a chegada dos imigrantes açorianos a partir de 1732 e outro personagem importante foi o inglês Thomas Messier, que em 1814 plantou, pela primeira vez no Brasil, videiras da famosa uva Isabel (Vitis Labrusca) que teve uma boa adaptação em solos e climas difíceis para as videiras de Vitis Viníferas européias.

A chegada dos imigrantes europeus ao sul do País é o fato mais significativo da história do vinho brasileiro. Primeiro foram os portugueses (1860), depois os franceses (1865). Mas foram os italianos, herdeiros de uma tradição de mais de 2 mil anos de experiência que, após 1875, o cultivo da uva começou a ter importância.


COMO TUDO CONTINUOU

Até os anos 60, não houve grandes transformações ou estímulos por um aperfeiçoamento da produção em termos de qualidade. Um mercado pouco habituado a consumir vinho não exigia muitas atenções. Isso motivou a Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul a iniciar uma campanha "Plante Viníferas", com o objetivo de substituir as uvas americanas pelas européias e obviamente melhorar o nível geral dos produtos brasileiros.

Depois do sucesso da iniciativa, nos anos 80, surgiram campanhas para aumentar o consumo dos vinhos nacionais com um resultado interessante. Paralelamente, muitas vinícolas desenvolveram a tecnologia e as atenções no cultivo; com o uso de técnicas e equipamentos equiparados àqueles utilizados na Europa e nos EUA; combinadas à profissionalização dos envolvidos no processo.

Em novembro de 2002, saiu o que se chama de Indicação de Procedência - Processo anterior à chamada Denominação de Origem - para a região de Vale dos Vinhedos; em Bento Gonçalves - Rio Grande do Sul; primeira e por enquanto única região demarcada de vinhos no Brasil.


ESTA HISTÓRIA AINDA NÃO TERMINOU

Existem vinhedos em várias regiões brasileiras, inclusive nas pouco prováveis como do Nordeste, porém o Rio Grande do Sul ainda acolhe a maioria das vinícolas e detêm o maior nível de produção no país.

Relato aqui um pouco do que tive oportunidade de conhecer de três importantes regiões de produção que, destacam-se por uma razão ou outra, no mercado de vinho nacional: Vale dos Vinhedos, Campanha Gaúcha, Vale do São Francisco.

O crescimento da indústria do vinho brasileiro é notado a olhos vistos e, existe a expectativa de que isto é só um começo ou melhor... um recomeço.

Vale do São Francisco

Situação na macro-região geográfica do Nordeste do Brasil, nos Estados da Bahia e Pernambuco. Os vinhedos entre 9° e 10° de latitude Sul - as mais baixas latitudes na viticultura de vinho no mundo. Caracteriza-se por estar em latitudes ao redor de 350 metros, em áreas com paisagem típica da caatinga do sertão nordestino, com uma viticultura localizada em áreas planas, com irrigação utilizando água do rio São Francisco.

Região com clima do tipo tropical semi-árido, apresenta ao longo do ano um período seco e um período sub-úmido. Esta característica lhe confere total diferenciação em relação à viticultura mundial. Onde existe a possibilidade que a videira vegete e produza durante os 12 meses do ano, o clima, conhecido no meio científico como clima com variabilidade intra-anual, apresenta três diferentes períodos ao longo do ano:

1) Relativo os meses de junho a setembro, que é chamado de inverno, que se caracteriza por um período seco, sem chuvas, com temperaturas baixas de noite e amenas de dia;

2) Corresponde os meses de abril a maio e de outubro a dezembro, que se caracteriza por período seco, sem chuvas, com temperaturas altas de dia e amenas a noite;

3) Corresponde de janeiro a março, que se caracteriza por um período sub-úmido, com chuvas e altas temperaturas, de dia e a noite.

Essas variações possibilitam a obtenção de uvas com qualidades específicas e diferenciadas em função da época de produção.

A formação geológica é do período cristalino, hoje também acumulando solos aluviais. São solos de baixa fertilidade.

Campanha

A Campanha do Estado do Rio Grande do Sul localiza-se próximo à divisa com o Uruguai, 31° de latitude Sul. Com paisagem típica do pampa gaúcho - formado por campos situados em coxilhas, é uma região que tradicionalmente esteve ligada à exploração de gado e ovelha. Caracteriza-se por estar em altitudes ao redor de 300 metros, com uma viticultura localizada em coxilhas de baixa declividade, facilitando a mecanização dos vinhedos. O solo de arenito tem ótima drenagem e média fertilidade.

Região de clima temperado sub-úmido, possuindo verões relativamente quentes e secos em relação ao padrão climático do Rio Grande do Sul, diferenciando-a das demais regiões vinícolas brasileiras, porém, os vinhedos não são irrigados.

Vale dos Vinhedos

O Vale dos Vinhedos localizado na macro-região geográfica Sul do Brasil, na Encosta Superior do Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, conhecida como Serra Gaúcha. Situado a 29° de latitude Sul. Caracteriza-se por estar em altitudes médias para a região, entre 450 e 650 metros, com uma viticultura localizada normalmente na meia encosta dos vales da serra, à margem esquerda do Rio das Antas, numa paisagem típica da Serra Gaúcha. Os vinhedos estão estabelecidos em áreas de declividades médias, porém, em certos casos, lembrando condições de viticultura de montanha.

Região em clima temperado, encontrado em grande parte da viticultura mundial, com verões amenos, é de tipo úmido, o que o diferencia a nível mundial, conferindo à uva e ao vinho uma tipicidade regional. Os vinhedos não são irrigados e a videira se desenvolve por regime de chuvas.

A formação geológica é o basalto, que deu origem a solos de profundidade média nas encostas.

A maioria das vinhas antigas está plantada no sistema latada. Nessa forma de cultivo, a planta cresce em paralelo com o solo. Aos poucos elas estão sendo substituídas e acompanham as recentes vinhas plantadas no sistema espaldeira: no qual a planta se ergue sustentada por arames e permite aos frutos maior exposição ao sol, favorecimento ao amadurecimento.

O Vale dos Vinhedos conta com uma associação de produtores, APROVALE, que gestiona o funcionamento da certificação. Para isso tem um conselho regulador que normatiza a certificação dos vinhos de cada safra.

Aproveitando minha estada no Brasil, procurei experimentar a maior diversidade possível de vinhos nacionais e, os exemplares das três regiões acima citadas foram os que mais despertaram meu interesse.

É fácil encontrar um bom vinho com valores entre R$11,00 e R$25,00. O custo é baixo se comparado aos exemplares importados, porém ainda é muito alto para o consumidor brasileiro, sendo uma parte expressiva deste custo composto por impostos, altos para bebidas alcoólicas.

Outra forma que busquei de conhecer a produção nacional foi uma visita recente ao Vale dos Vinhedos, em uma oportunidade em que também visitei a FENAVINHO.

FENAVINHO é um evento que acontece a 40 anos em Bento Gonçalves e que é bastante popular. Ela tem programação comercial, educativa e também é um espaço de entretenimento com apresentações e shows, que têm um apelo popular grande.

A feira representa o que a região se tornou nos últimos anos, um pólo da viticultura nacional com um forte enfoque turístico.

No dia seguinte minha experiência foi in loco quando visitei duas vinícolas no Vale. As propriedades, com características bem diferentes, foram boas amostras de como os negócios são administrados no Brasil.

Casa Valduga

A família Valduga administra os negócios bem de perto. É fácil encontrar um membro da família em qualquer um dos segmentos do estabelecimento (restaurante, pousada, vinícola) - que é sinônimo de sucesso e qualidade, bem como seus vinhos.

A visita guiada acontece a cada uma hora nos finais de semana e não exige reserva antecipada. No preço da entrada está inclusa uma taça de vinho para degustação. Iniciamos a visitação pelo 'vinhedo histórico' que tem como objetivo ser uma experiência educativa apresentando as várias castas de uva presentes nos vinhedos da Valduga, com a vantagem de poder-se colher e provar as frutas frescas.

Nosso guia era atencioso e gentilmente respondia a todas nossas dúvidas - desde como o enxerto das plantas são feitos até os objetivos da unidade da vinícola em Mendoza, Argentina. Conhecemos as instalações antigas, onde a fermentação dos vinhos ainda era em pipas de grápia; uma madeira que foi utilizada como alternativa para o carvalho, porém de qualidade substancialmente inferior. Nas instalações em uso atualmente, a tecnologia e modernidade são o destaque e, contribuem para a preservação das características de cada casta.

O estabelecimento orgulha-se do padrão que atingiu, com produtos para um consumidor seletivo, que não se importa de desembolsar um pouco a mais por um vinho de qualidade. Esta é uma das razões pelas quais é raro encontrar vinhos Valduga nas prateleiras de supermercado.

Seus vinhos são excelentes, com destaque para o dueto “Riesling e Chardonnay” e, o vinho espumante “Gran Reserva” - método tradicional.

Têm uma boa estrutura para a visitação e vendas. O atendimento é bom e, a única coisa que faltou foi material escrito de divulgação de seus produtos. É clara a satisfação das pessoas envolvidas no empreendimento e a identificação com a marca, que ao que tudo indica terá um processo de expansão lento, sendo a próxima empreitada prevista novamente no exterior, com a possível compra de uma propriedade na Espanha.

Vinícola Miolo

As únicas semelhanças que a visita à Miolo teve em comparação a anterior foram que ambas são empresas familiares e, que buscaram a modernização visando a melhoria na qualidade de seus produtos.

A Miolo impressiona pelo grau de profissionalização do seu negócio, bem como a forma ambiciosa que este é administrado. Têm unidades produtivas não somente Vale dos Vinhedos, Campanha e Vale do São Francisco, como também em outra localidade da Serra Gaúcha e nos Campos de Cima da Serra. Também mantêm parcerias com empresas do Chile e Espanha para distribuição de produtos.

Têm bons produtos em todas as localidades onde produz e, sua produção nordestina tem sido foco de atenção.

No Vale do São Francisco são plantadas as variedades Shiraz, Cabernet Sauvignon, Moscatel, tendo produtos de destaque seu Shiraz e também o vinho de sobremesa, Late Harvest.

Na região do Vale dos Vinhedos os vinhos da linha de Reserva Miolo (Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Merlot, Chardonnay e Sauvingon Blanc), a linha Miolo Seleção (branco e tinto), Miolo Brut (vinho espumante, método tradicional), o vinho lote 43 (elaborado somente em safras de excepcional qualidade), e a Grapa Miolo.

Na unidade da Campanha Gaúcha encontra-se a produção de Sauvignon Blanc, Pinot Grigio, Tempranillo, Tannat e Cabernet Sauvignon.

É uma empresa atenta ao mercado e que utiliza várias formas de divulgação com um plano de marketing que associa a sua imagem à um produto de qualidade e, quer consolidar-se como "referência do vinho fino brasileiro".

Os vinhos são bons em geral. Nos que degustei pude constatar que faltava de um pouco de frescor no “Sauvignon Blanc, Fortaleza do Seival” (Campanha), o que pode ser resultado do transporte necessário da uva ao Vale dos Vinhedos para a vinificação da safra 2005, o que foi solucionado com a inauguração das instalações necessárias para tal na Campanha, em janeiro deste ano.

Também me pareceu estranho o aroma e sabor intenso de madeira no “Carmenére, Costa Pacifico 2005” (aliança com a chilena Via Wines), considerando que este não recebeu envelhecimento no carvalho.

Antes de nos despedirmos de um dia de visitas, visitei a loja do estabelecimento e comprei um vinho com o valor integral do ingresso como desconto.

E o vinho, que não era cara, saiu pelo preço que qualquer consumidor gostaria de pagar no supermercado local. Viva os descontos! A final eu também sou brasileira.





Saúde!
Marcia Amaral