Califórnia - Viagem ao Redor do Mundo do Vinho, 2007

O que segue nos próximos relatos e fatos é exatamente o que inclui em meu blog anterior: http://wineworld.spaces.live.com/
A idéia de trazer para este novo espaço é para manter as informações em um lugar somente.
Não revisei ou alterei nenhum comentário ou idéia, pois creio que cada experiência tem seu momento particular. Talvez hoje tivesse outras opiniões sobre alguns assuntos, mas, aquelas que aqui reproduzo pertencem a aquele tempo.
Nesta 2ª parte relato a Califórnia (janeiro/2007).


CALIFÓRNIA, EUA

O ano apenas começou, porém eu tenho a sensação de já ter alcançado grandes realizações.

2007 é o ano em que meu projeto entre em uma fase importante, muito prática e, decisiva. Claro que viajar, provar vinho, conhecer novas culturas soa muito divertido, e é! Mas assumi um compromisso comigo mesma de fazer desta experiência um desenvolvimento pessoal e profissional que, levo muito a sério.

Esta primeira etapa não poderia ter sido melhor. Cheia de surpresas boas a revelar, a Califórnia me encantou.

Cheguei a São Francisco no dia 11 de Janeiro, pretendendo ficar 7 dias e depois, continuar a viagem seguindo para Nova Iorque para mais uma semana, esta então como turista convencional.

Acabei ficando mais que o esperado na Califórnia, reduzindo minha visita ao lado leste Americano para 3 dias. O resultado final me agradou, pois, o oeste tem muito mais a oferecer - do que realmente me interessa.

Os Estados Unidos é um grande produtor de vinho e também, um enorme consumidor. Há nele espaço para fabricação de vinhos em pequenas quantidades (o chamado boutique wine) e também em larga escala, por grandes corporações, que têm em sua marca o maior atrativo. Com o uso de novas tecnologias, irrigação controlada e uma sempre ambiciosa postura no mercado, eles têm consumidores fiéis dos vinhos bons que produzem a um preço atrativo. Sem demérito, muitos deles são bons. Entretanto, eu estava mais interessada naqueles que representassem à verdadeira essência do vinho californiano.

O país não possui sistema de classificação, mas possui AVAs (American Viticultural Areas), criadas em 1983, nas quais existem as demarcações por tipo de solo, topografia, clima, mas não há restrição à quantidade de produção ou tipo de variedade cultivada.

A área localizada ao norte de São Francisco é conhecida como Wine Country (País do Vinho), abrangendo Sonoma, Napa Valley e suas subdivisões.

Ao norte de Sonoma fica Mendocino, que é também uma importante região produtora e, ao leste de Mendocino e norte de Napa Valley localiza-se o distrito de Lake, que vem ganhando reputação.

Das subdivisões de Napa, as mais importantes são: Carneros, Napa County, Napa Valley, Oakville, Rutherford, St. Helena, Clistoga, Spring Mountain District, Stags Leap District e Wild Horse Valley.

Sonoma é na verdade o lugar de nascimento do vinho californiano, porém Napa é mais bem conhecida. Parte da fama originou-se no reconhecimento da qualidade de seus vinhos - que muitos torceram o nariz (principalmente narizes franceses), que se deu em 1976 quando vinhos da região desbancaram vinhos tradicionalmente bem conceituados em uma competição internacional. Sim, eles foram julgados melhor que vinhos franceses - algo impensável para época.

Isto gerou uma revolução para os vinhos originados do "Novo Mundo" - assim denominados os países onde a vinicultura é relativamente nova, tais como Estados Unidos, Argentina, Chile, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Abrindo as portas para um mercado consumidor, que passou a experimentar com curiosidade, vinhos que vinham de lugares pouco convencionais.

O assunto ainda é polêmico e, segundo a Decanter News, será o tema de um filme a ser lançado ainda este ano.

Abordarei novamente o tema, no relato da visita à Stags' Leap Winery - umas das vinícolas envolvidas.

"CALIFORNIAN WAY OF LIFE"

Minha primeira visita a uma vinícola na Califórnia deu-se no estilo 'nativo'. Tive a oportunidade de conhecer não somente o empreendimento como também as pessoas envolvidas nele.

Por intermédio de Flavio; um amigo brasileiro que vive na Califórnia a muitos anos e já adotou o Californian way of life (que pelo que vi, difere muito do American...); conheci Caroline Frey.

Caroline que trabalha nos negócios da família, nos convidou a visitá-la e generosamente abriu as portas da propriedade para a conhecermos.

Frey Vineyards foi fundada em 1980 pelos pais de Caroline (Paul e Beba Frey), boa parte da família trabalha na propriedade e é um exemplo de negócio bem sucedido. Têm seus vinhos produzidos de forma orgânica¹ (são pioneiros no gênero no país) e biodinâmica² disponíveis em vários estabelecimentos comerciais que visitei, oferecendo bons vinhos com valores competitivos.

Notas:
¹ Para ser rotulado como orgânico (considerando o novo USDA National Organic Program), o vinho dever ser feito inteiramente de uvas provenientes de vinhedos orgânicos e não podem conter aditivos, tais como sulfitos e ácidos cítricos.
Sulfitos têm sido usados como preservante e antioxidante da produção e vinificação da uva desde o império romano.
Por não conterem nenhum sulfúrio adicionado, vinhos orgânicos estão mais sujeitos a oxidação e degradação que os demais vinhos, particularmente se forem expostos a altas temperaturas.
² O método Biodinâmico, iniciado pelo filósofo alemão Rudolf Steiner em 1924, tem uma visão 'holística', que consiste em trabalhar a viticultura em harmonia e respeitando o ecossistema. 'Demeter USA' é a entidade responsável pela certificação nos EUA.

A propriedade localiza-se 140 milhas de São Francisco, em Redwood Valley - Mendocino, tendo acima desta a nascente do Russian River, importante rio que influência o clima local e que também dá nome a uma das AVAs.

Chegamos pouco antes do pôr-do-sol e, fomos imediatamente 'explorar' o lugar. A propriedade não parecia grande, mas era bem organizada, com uma imagem de negócio familiar com engajamento familiar em ambiente familiar.

Caroline é uma pessoa carismática, que demonstra grande entusiasmo por tudo, incluindo seu engajamento no negócio da família. Vive de uma forma simples e harmoniosamente em contato com a natureza; assim como toda sua família e amigos; sendo natural a opção por uma cultura orgânica e biodinâmica - bem ao estilo californiano.

Ela nos mostrou os vinhedos, vinícola, sala de degustação e, cordialmente separou várias garrafa de vinho para nos presentear.

A seu convite, nos juntamos à sua irmã e grupo de amigos para um jantar, que ela preparou enquanto conversávamos e degustávamos o vinho de sua preferência (e do país todo aparentemente): Chardonnay.

As companhias eram ótimas, o papo animadíssimo, a comida uma delícia (vegetariana, para agradar a grande maioria) e o vinho, devo admitir muito bom!

Com um breve período de envelhecimento em barricas de carvalho, o Chardonnay (2005) lembra baunilha e é um bom representante da casta, na estilo bem americano de produzi-la e apreciá-la.

Pude observar o quanto os envolvidos com a viticultura estão buscando o desenvolvimento sustentável do segmento, comprometidos com a qualidade e atentos às tendências, tecnologia e mercado.

Entre os exemplares da Frey (Syrah 2005; White Zinfandel 2005; Sauvignon Blanc 2005; Sangiovese 2004; Gewurztraminer 2005), que apreciei em um outro momento, estava uma casta que vêm crescendo em importância no mercado americano: Petite Sirah (2004) - uva de identidade nebulosa, pois parece ter mais de uma variedade envolvida, é fonte de vinhos tânicos, muitas vezes misturada ao menos forte Zinfandel (cepa que é marca registrada do país).

Foi uma visita muito agradável e voltei a São Francisco imensamente feliz de encontrar pessoas genuínas e amigáveis com as quais compartilho o interesse pelo vinho. Talvez em níveis diferentes, mas com certeza, similar intensidade.

ENOTURISMO

Califórnia é o quarto maior produtor de vinho do mundo, atrás apenas da França, Itália e Espanha. Desta produção, 90% é consumido dentro dos Estados Unidos.

Como a demanda interna é alta, os preços em geral são elevados e os vinhos pouco competitivos no mercado externo. São comuns os 'clubes do vinho', que oferecem promoções aos membros, que pagam antecipadamente pela sua participação nestes.

Em quase todos os lugares da Califórnia vinho é produzido, do México à Oregon, desde as montanhas de Sierra Nevada ao Oceano Pacífico, pode-se encontrar vinhedos e vinícolas. O deserto parece ser a única exceção.

Com uma economia saudável (Califórnia seria a 5ª maior potência se fosse um país independente), um postura moderna em relação a diversos assuntos e uma consciente preservação de sua história, Califórnia é um estado que recorda o passado, desfruta o presente de olho no futuro.

A prestação de serviços é muito boa, refletindo o devido valor que ser dá ao dinheiro gerado com este e, à atitude amigável e hospitaleira que os californianos têm - em sua grande maioria.

Tudo isto, combinado com um clima similar ao Mediterrâneo, faz deste o lugar de destino para muitos estrangeiros e muitos... muitos americanos.

São vários atrativos turísticos, com uma grande diversidade de opções onde todos encontram um motivo para visitá-la.

Enoturismo é uma das opções e, muitas vinícolas têm nesta atividade um importante componente de suas receitas - principalmente as de pequeno porte, que vendem toda sua produção diretamente ao consumidor.

As visitas podem ser individuais ou em grupo - na grande maioria organizados por agências de turismo. A última foi minha primeira opção de explorar o "País do Vinho".

No dia 17 de Janeiro, era o dia de minha excursão às vinícolas com a Extranomical Adventures, Inc.; uma agência que organizava visitas em pequenos grupos (o que considerei ideal, pois evitava uma multidão de pessoas e era mais barato o aluguel de uma limusine - opção de muitos).

O grupo era pequeno (11 ao total) e em tínhamos todos - aparentemente - mais de 30 anos. Todos eram casais - com exceção de mim - e em sua maioria americanos, mas também havia um casal de australianos e outro da Escócia.

VIANSA WINERY

A primeira visita foi à Viansa Winery na região de Carneros, distante não mais uma hora de São Francisco.

Por causa da proximidade à Baía de São Francisco, a neblina da manhã e as frias brisas da tarde são uma influência no clima de Carneros. O solo de Carnero é baixo e denso. Dois tipos de solo estão presentes: argila e aluvião. Estes solos tendem a impactar no vigor das vinhas e suprir com os nutrientes necessários sem um desenvolvimento em excesso.

As grandes estrelas de Carneros são Chardonnay e Pinot Noir.

Assim como muitos estabelecimentos, Viansa tem suas raízes em uma terra distante, que foi deixada para trás por imigrantes que buscavam na América uma terra de oportunidades.

Tem-se a impressão de estar em uma Villa italiana e, assim como no países europeus, a importância do vinho como um acompanhamento para comida e, literalmente visível. Além do vinho, no local são produzidos doces, geléias, molhos que são vendidos no mercado onde também se localiza os bares para degustação dos vinhos e, sempre sugeridos como combinações no cardápio dos vinhos.

Após uma breve introdução sobre o local, sua história e atividade, visitamos a adega onde os vinhos madurecem. Tudo era muito voltado para o turismo e, não parecia fazer parte uma vinícola em produção.

Fomos então, ao bar para degustarmos 4 vinhos escolhidos pela casa, todos eles com alta graduação alcoólica:

1) 2005 - Arneis - US$ 22.50 (14.3% ABV)
Arneis é a variedade de uva originária da região de Piemont, na Itália. Raramente encontrada na Califórnia.
Apresenta uma coloração amarelo-limão e têm aromas de kiwi, lima e abacaxi maduro.
2) 2004 - Prindelo, Sonoma County - US$ 35 (15.5% ABV)
Apresenta uma cor púrpura. Este é um vinho de corte, com aroma de amoras.
Na boca é seco e com tons de chocolate.
3) 2005 - Imbianco - US$ 11 (15.6% ABV)
Vinho para sobremesa, feito a partir de 99% da uva Aleatico e 1% da Teroldigo, tem um delicado sabor de morangos, melão e bergamota.
4) 2005 - "Pocamio" Aleatico - US$ 19.50 (14.5% ABV)
Aleatico é uma varietal rara. Semi-Seco com pronunciado aroma de morango e amora.
É um vinho macio, pronto para beber.
Fiquei intrigada com os vinhos semi-doce e doce, que tinham alto teor de graduação alcoólica. Perguntei a sommeliére que nos atendia se se utilizavam Chapitalization (adicionar açúcar) e, ela me respondeu evasivamente que eles interrompiam o processo de fermentação, deixando açúcar residual. Bem, como a grande maioria dos vinhos apresenta graduação alcoólica superior a 14% do volume, me deu a entender que as uvas da propriedade produzem um açúcar natural fora do comum...

Antes de embarcarmos no veículo para continuar nossa jornada, pude observar os funcionários da propriedade (que são contratados exclusivamente para este serviço sazonal), realizando a poda de inverno no vinhedo.

MADONNA ESTATE

A segunda visita foi à Madonna Estate, também em Carneros. Este estabelecimento; que está na quarta geração de uma família descendentes de italianos, presentes nos Estados Unidos desde 1913; produz vinhos orgânicos e praticam um sistema pouco convencional para a região da Califórnia: Dry Farming (Agricultura Seca). Neste sistema não se utiliza irrigação, necessária na região devido à baixa precipitação de chuva. A irrigação é utilizada somente no primeiro ano de crescimento da vinha e depois é suspenso, ocasionando um 'estressamento' da planta que, em busca de água no subsolo, tem uma concentração dos sabores na uva, que apresenta bagas pequenas. Para facilitar o processo, é utilizada como base a casta 'St. George' que é não somente resistente à seca como também à Phylloxera.

O início da visita deu-se na área onde os vinhos estão estocados e repousam em barricas de carvalho (americanos ou franceses, dependendo das influencias esperadas no vinho). Enquanto nosso guia - um experiente conhecedor do assunto - explicava o sistema de produção do estabelecimento, um outro funcionário da vinícola preenchia as barricas com vinho, necessária devido ao natural processo de evaporação que o vinho sofre.

Um comentário esclarecedor foi em relação à expressão "Estate" constante nos rótulos dos vinhos, que identifica um produto cujas uvas são exclusivamente provenientes da propriedade, sendo que quando não mencionada pode indicar que as castas foram vendidas à vinícola por outros produtores da região.

Os vinhos, bons exemplos da qualidade que uma produção orgânica pode oferecer, foram degustados na sala reservada para tal e que divide espaço com a loja de produtos do estabelecimento (seguindo o modelo da grande maioria das vinícolas):

1) 2004 - Estate Chardonnay - US$ 24.50
Fermentado em barris de carvalho francês, este vinho têm um período de repouso em seu sedimento (sur lie), apresentando uma sensação cremosa na boca e aromas de pêra e maçã.
2) 2004 - Estate Pinot Noir - US$ 28.50
O vinho tem envelhecimento de nove meses em barricas de carvalho, que é notado na boca, tendo um aroma de frutas vermelhas.
3) 2001 - Estate Cabernet Sauvignon - US$ 34.00
O produto tem seu esmagamento e fermentação em tanques de aço inoxidável e após, envelhece em barricas de carvalho por 18 meses.
Apresenta aromas de amora, cassis e baunilha.
4) 2005 - Estate Riesling - US$ 21.00
Um vinho para ser bebido jovem que apresenta aromas florais com características de pêssego, pêra e mel.
De um total de 13 vinhos do catálogo apresentado, 2 já tinham sido completamente vendidos e somente 9 eram vendidos exclusivamente na propriedade, restando 2 para venda externa com adição de custos de impostos e transporte.

KIRKLAND RANCH WINERY

Kirkland é uma propriedade em Napa Valley que mais lembra o estilo do 'velho oeste'. Os proprietários, que eram pecuaristas antes de descobrirem o grande filão que a viticultura poderia ser na Califórnia, mantiveram o estilo 'cowboy' no estabelecimento e os animais empalhados decoram a sala de degustação. Como é de se supor, não são adeptos da produção orgânica e biodinâmica tampouco.

Em um estilo "sem rodeios" fomos direto a sala de degustação onde provamos alguns vinhos. O pouco que se soube sobre a propriedade, foi pelas informações repassadas pelo nosso motorista-guia e, pela visitação (auto-guiada) entre os corredores do prédio principal onde, entre fotos de atividades da época que os negócios eram a agropecuária, encontram-se as janelas onde se pode visualizar a vinícola, moderna e bem equipada.

A história da Kirkland é semelhante a muitas outras na região, onde fazendeiros e ou outros detentores de um capital alto que vislumbraram o potencial da região para a vitivinicultura, buscaram formação técnica e apostaram seus recursos na atividade.

Investimento alto é uma característica local, que é necessário em um localidade cada vez mais valorizada pelo prestigio que o território têm e pela demora no retorno do valor inicial aplicado.

Para estabelecer um negócio no "novo oeste" é preciso estar "montado", não no cavalo, mas em dinheiro.

Os exemplares apresentaram foram:

1) 2003 - Kirkland Ranch Chardonnay Napa Valley - US$ 20.00
É um 'estate wine' que envelhece 12 meses em barricas de carvalho e repousa em seus resíduos resultando em um vinho com sabor de baunilha e com aromas cítricos e de maçã.
2) 2002 - Kirkland Rach Sangiovese Napa Valley - US$ 20.00
É um vinho de corte (90% Sangiovese, 10% Merlot). Recebe 24 meses de carvalho e apresenta um aroma defumado e especiarias. Sua cor não é profunda e é leve em taninos.
3) NV Agape Late Harvet Wine Napa Valley - US$ 40.00
É um vinho de sobremesa, feito a partir de uvas Semillon e Sauvignon Blanc afetadas pela 'noble rot' (podridão-nobre), que mistura mais de um ano de colheita (non-vintage).
Tem um bom equilíbrio e apresenta aromas de pêssego maduro, abacaxi e frutas tropicais.
4) 2002 - Kirkland Ranch Estate Syrah - US$ 30.00
É envelhecido por 20 meses em barricas. É um vinho intenso em aromas e sabores, com características de especiarias, chocolate e baunilha.
5) 2002 - Kirkland Ranch Pinot Noir Napa Valley - US$ 32.50
Este vinho foi uma escolha pessoal e não decepcionou. É um bom exemplar da cepa, com aroma de ameixas e na boca apresenta cereja com uma finalização de baunilha, especiarias e madeira.
Após esta visita encerramos nosso dia no "País do Vinho" e, o grupo - satisfeito com a experiência - retornou a São Francisco após 7 horas de passeio.

UM DIA ESPECIAL

Dia 20 de Janeiro; um sábado ensolarado (nada surpreendente e extremamente agradável) com clima ameno para um inverno inesperadamente frio; rumei novamente ao "País do Vinho" para realizar as visitas que me fizeram postergar meu bilhete aéreo, que estava marcado para deixar São Francisco no quinta anterior.

Com visitação agendada em duas vinícolas, uma para as 11h30minh e outra às 14h30min, tive tempo de incluir outra após estas e, fazer pic-nic entre vinhedos no almoço. Sempre na companhia do meu amigo brasileiro Flavio.

Escolhi cautelosamente os lugares que gostaria de visitar no meu último dia na Califórnia.

O primeiro por indicação de Alder, cujo mantêm um excelente blog sobre vinhos, que me indicou Piña Cellars - entre outras vinícolas.

A segunda vinícola foi por motivos históricos: Stags' Leap Winery.

E a última foi por um interesse espontâneo que surgiu ao conhecer um casal que visitava Piña, que trabalhava esporadicamente na Robert Sinskey Vineyards e, demonstravam compartilhar da mesma paixão pelo vinho.

Uma reserva antecipada é aconselhável ou, certificar-se do horário de funcionamento para evitar desapontamento.

Alguns estabelecimentos não cobram a visita ou degustação, neste caso espera-se que você compre algum produto, que pode ser caro em comparação às outras vinícolas.

As vinícolas que visitei ficam na Silverado Trail onde mais de 35 propriedades espalham-se pela rodovia que corre paralela a rodovia estadual "29". Em torno de 25 diferentes castas são cultivadas na região, sendo Cabernet Sauvignon a principal estrela. Nomes conhecidos e prestigiados estão no percurso que a rodovia tem, tais como Mumm; Clos Du Val e Stag's Leap - que dá nome a uma das AVAs.

O cenário é bonito, tem seu lado oeste mais elevado com algumas formações rochas derivadas de uma época em que existiam vulcões na região e o clima apresenta quase 10°C de diferença entre o dia e a noite.

PIÑA CELLARS

Fomos recebidos na vinícola por um jovem rapaz, que já acumula muita experiência na área e atualmente estuda vinicultura, com projetos de ter uma experiência de trabalho na África do Sul.

O negócio é familiar, porém há um interesse de buscar jovens profissionais no mercado - como no caso de nosso anfitrião - que tragam novos conhecimentos e experiências. Piña tem sua atividade dividida: numa que corresponde ao vinhedo e outra à vinícola, com administração diferente e cada uma com seus próprios funcionários. Buscam com isto, focar a atenção necessária a cada uma em particular.

A visita iniciou com degustação de exemplares de seu excelente Cabernet Sauvignon: 2004, 2005 e 2006 - sendo os dois últimos extraídos diretamente das barricas. Foi impressionante constatar o bom equilíbrio que o vinho apresenta, com uma maciez do tanino rara para vinhos tão jovens. Esta é uma peculiaridade desta região de Napa Valley e é muito bem aceita, pois proporciona um prazer imenso de apreciar um vinho jovem de uma casta que normalmente leva anos para apresentar um corpo médio.

A visita poderia resumir-se a isto - o que não estava mal - porém; ao observar nosso genuíno interesse pelo assunto; fomos convidados a uma 'tour' pela propriedade na companhia de nosso guia que atenciosamente respondeu às minhas dúvidas e curiosidades (sempre, sempre muitas).

Piña tem uma produção relativamente pequena e assim quer se manter, preservando a qualidade de seus produtos. Entretanto, tudo tem seu preço.

Comprei um exemplar do Cabernet Sauvignon (2004), que não foi barato (US$ 74) e representou bem o conceito de boutique wine.

A visita demorou mais de 2 horas e já era hora de nos despedimos.

Procuramos um bom lugar para um Pic-Nic e, entre os vinhedos fizemos nosso almoço, recarregando as energias para mais as próximas visitas.

STAGS' LEAP WINERY

Diz a lenda que um cervo (stag); que fugia de indígenas que o perseguiam nos morros rochosos que fazem fundo para o cenário deslumbrante da vinícola Stags' Leap; saltou (leap) de um morro a outro deixando os índios para traz.

Esta é uma das versões para a origem do nome deste prestigiado lugar em Napa Valley e, muitas foram as controvérsias pelo direito ao uso deste nome.

Desta localidade que saiu o prestigiado vinho Stags' Leap (1973, Cabernet Sauvignon) que enfrentou Bourdeux na famosa competição "1976 Paris Wine Tasting". Os franceses, não convencidos de terem sido derrotados, argumentaram que seus exemplares não haviam atingido sua plenitude pois, precisavam de alguns anos para amaciar os taninos. O que é uma característica natural dos representantes californianos, que tem um corpo macio em taninos ainda jovens.

Para esclarecer qualquer injustiça ao vin de Bourdeaux, outra competição às cegas foi realizada 30 anos depois e, o vencedor do ano passado foi: oui, oui... os californianos.

A propriedade, cheia de história e estórias, foi vendida parcialmente e ao novo dono coube um bonito e prestigiado lote de terras e... o nome original. Ao antigo dono ficou o lote de terras que produziu o famoso vinho e uma luta na justiça pelo direito ao uso do nome que o consagrou. Resolvido o impasse, as duas denominações mencionam a lenda porém, de forma diferente: o original denomina-se Stag's Leap Wine Cellars e o novo Stags' Leap Winery .

Visitei a vinícola do mais novo proprietário porém, a mais antiga, onde toda estrutura original foi restaurada - preservando suas características - e uma outra nova foi adicionada.

Fomos recebidos em uma ampla sala onde nosso guia contou um pouco da história do lugar e onde degustamos 4 exemplares de seus vinhos:

1) 2005 - Napa Valley Viogner - US$25
Cítrico no nariz e boca, com características de pêssego.
2) 2005 - Napa Valley Chardonnay - US$ 28
Alta acidez com notas de laranja e melão, com baunilha e cravo na finalização.
3) 2003 - Napa Valley Merlot - US$ 31
Aroma vibrante de frutas silvestres negras, cacau, noz-moscada e baunilha.
4) Ne Cede Malis, Rhone Blend - US$ 75
Aroma de frutas silvestres negras e ao final lembra casca de laranja.
Encerramos a visita explorando o local, com um copo de vinho na mão enquanto o sol se preparava para sumir no horizonte. Que dia!! E ainda não havia terminado...

ROBERT SINSKEY VINEYARDS

Durante a degustação à Piña Cellars, com pouquíssimos visitantes dividindo o espaço conosco, tivemos o privilégio de ter a companhia agradável de um casal (ela brasileira e ele americano) que foram muito amáveis e nos convidaram para visitá-los em uma vizinha vinícola na qual trabalham ocasionalmente.

Foi assim que descobrimos a Robert Sinskey Vineyards (www.robertsinskeyvineyards.com), um produtor de excelentes vinhos orgânicos no distrito de Stag's Leap, que originalmente pretendia focar sua atenção exclusivamente ao Pinot Noir, porém, rendeu-se ao clamor da terra (como o proprietário mesmo declara) e rendeu-se ao rei da região: Cabernet Sauvignon. Felizmente continua produzindo ambas, além de outras castas - todas de forma orgânica, não somente por ser ecologicamente correto como também por acreditar que esses vinhedos produzem vinhos melhores e com sabores mais vibrantes. Eu acredito também: o Pinot Noir da vinícola foi o melhor que já provei!

O ambiente é informal e extremamente agradável, onde você sente-se como se estivesse em uma confraternização entre velhos conhecidos. No bar de degustação tivemos o acompanhamento perfeito de canapés, preparados pela esposa do proprietário, Maria Helm Sinskey, que é a diretora de culinária do estabelecimento, autora do livro "The Vineyard Kitchen", e uma chef de mão cheia.

Muitos das pessoas que auxiliam no 'bar' da vinícola, o fazem esporadicamente e têm outras atividades também relacionadas ao vinho. Entre uma conversa, um gole de vinho, um canapé, o tempo foi passando e o bar fechou, então era hora de ir embora.

Despedimo-nos de nossos 'recém-velhos-conhecidos' e seguimos nosso caminho de volta a São Francisco.

A visita foi tão agradável que esqueci de anotar informações dos vinhos que degustamos (além do Pinot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc), porém ainda lembro do equilíbrio, aromas e frutas que navegaram pela minha boca. Ficaram as lembranças dos sentidos, o que em minha opinião... é o melhor da experiência com vinho.

Despedi-me da Califórnia no dia posterior, cedo da manhã, pois meu vôo para Nova York partia às 07h30minh. Não tive tempo de aproveitar o domingo de mais um lindo dia ensolarado e agradável do inverno no oeste. Porém levei comigo todas as cores, sabores e cheiros que consegui assimilar em minha estada.

Visitar a Califórnia mudou meu 'pré-conceito' em relação aos californianos em geral, inclusive os vinhos. Ficou a certeza de que não se pode julgar algo que não se conhece.


Nice to meet you, California!

Até a próxima!
Marcia Amaral