EQUADOR – Turismo Gourmet Sem Frescura

Gastronomia Também é Cultura
Em outubro passado iniciei uma viagem de 47 dias que chamei de “Turismo Gourmet Sem Frescura”.
Minha idéia era visitar alguns países Andinos (Equador, Peru, Bolívia, Chile), explorando ao máximo esta oportunidade para conhecer sua gastronomia e seus vinhos - quando nestes produzidos - utilizando meu limitado orçamento e, meu estilo de viajar: sem frescura.

Ao contrário do vinho; que nem sempre tinha grande presença e às vezes pouca importância nas mesas locais; a gastronomia sempre esteve presente em toda a viagem, pois é impossível desassociar-la da cultura de um povo.



Poderia talvez classificar este como Turismo Cultural, como relata Luiziane Viana Segala no texto que transcrevo parcialmente abaixo:

“O turismo cultural é motivado pela busca de informações, de novos conhecimentos, de interação com outras pessoas, comunidades e lugares, da curiosidade cultural, dos costumes, da tradição e da identidade cultural. Esta atividade turística tem como fundamento o elo entre o passado e o presente, o contato e a convivência com o legado cultural, com tradições que foram influenciadas pela dinâmica do tempo, mas que permaneceram; com as formas expressivas reveladoras do ser e fazer de cada comunidade.
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Um povo se define antes e tudo pela sua cultura e a gastronomia é um dos aspectos culturais de um povo. A gastronomia, assim como a viagem, é um inimigo da rotina. É curiosa e tem um senso universal. Não fosse a curiosidade e uma necessidade básica nossa de experimentar, degustar, provar, descobrir, agregado à capacidade de nossos cinco sentidos, não teríamos hoje a riqueza e a arte da boa mesa. Uma viagem através deste universo é a satisfação de uma de nossas necessidades mais importantes.
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Ao associarmos turismo cultural e gastronomia podemos perceber que estas duas “atividades” correm lado a lado, transportando o visitante de descoberta em descoberta. O Turismo Gastronômico está diretamente ligado ao prazer e à sensação de saciedade adquirida através da comida e da viagem.”

Senta Que Lá Vem História
“Toda cozinha tem a marca do passado, da história, da sociedade, do povo e da nação à qual pertence. Cozinhar é uma ação cultural que nos liga sempre ao que fomos, somos e seremos e, também, com o que produzimos, cremos, projetamos e sonhamos.” - Luiziane Viana Segala
Para compreender um pouco da experiência culinária que saboreei, cabem algumas informações da história gastronômica dos povos andinos. Para relatar-las elaborei uma compilação de vários textos relacionados ao tema, cujas fontes são informadas no final deste artigo e, obviamente, as minhas experiências pessoais de viagem.

Aos pés da maior cordilheira de montanhas do mundo, uma gastronomia cheia de sabores se revela. Influenciada diretamente pela cultura dos povos indígenas que povoavam a América antes da chegada da esquadra de Colombo, a culinária andina ganhou forma ao se misturar com ingredientes trazidos pelos espanhóis e por outros povos a partir do século 16.

Percorrer os Andes é se aventurar em uma verdadeira odisséia gastronômica, já que cada um dos países, com suas imponentes montanhas, serve aos turistas e visitantes suas tradições nos melhores pratos. Se enveredar pela culinária andina é também uma forma de entender os hábitos e as diferenças que fizeram da América um continente tão plural.

Império Inca

O Império Inca foi uma cultura andina pré-colombiana e, agrupação de povos denominados em seu conjunto de povo Quéchua, que tinha como governante a figura do Inca. Em decorrência disto todo seu povo tornou-se conhecido como “Inca”, mas a denominação correta seria Quéchua.
O império existiu na América do Sul cerca de 1200 até a invasão dos conquistadores espanhóis e a execução do seu último imperador Atahualpa em 1533.
Incluía regiões desde o extremo norte, como o Equador e o sul da Colômbia, todo o Peru e a Bolívia, até o noroeste da Argentina e o norte do Chile. A capital do império era a atual cidade de Cusco. O império abrangia diversas nações e tribos e, tinha mais de 700 idiomas diferentes.

Agricultura
No apogeu de civilização inca, cerca de 1400, a agricultura organizada espalhou-se por todo o império, desde a Colômbia até o Chile, com o cultivo de grãos comestíveis da planície litorânea do pacífico, passando pelos altiplanos andinos e adentrando na planície amazônica oriental.
Calcula-se que os incas cultivavam cerca de setecentas espécies vegetais. A chave do sucesso da agricultura inca era a existência de estradas e trilhas que possibilitavam uma boa distribuição das colheitas numa vasta região.

Muitos destas espécies ancestrais americanas são atualmente patrimônios alimentícios da humanidade.
A batata, o tomate, o feijão, a moranga, o pimentão, o cacau, o amendoim, o abacate, o abacaxi, são alguns exemplos conhecidos. Também faziam parte da dieta a quinoa, o amaranto, o chocho e o milho, que de tão importantes na alimentação dos povos andinos foram considerados “presentes dos deuses”.

O alimento essencial para os habitantes do continente Americano foi o milho, vinculado sempre a origem da vida, o milho foi considerado sagrado em tudo o que conhecemos como América e, ainda hoje tem uma presença constante e marcante na culinária destes.

Ainda hoje o milho tem um grande destaque na culinária andina. São cerca de 35 variedades cultivadas nos terraços dos Andes. Do branco e amarelo ao morado (negro), a sua utilização costuma ser bem variada: fervido, tostado, como bebida (chicha) e doce. Entre os pratos com milho, há delícias como a arepa (um tipo de pão feito da farinha do grão e comum na Venezuela), o soltero (que leva milho e queijo fresco), os pastéis de choclo (torta feita de milho) e o tamale ou tamal doce (que lembra a nossa pamonha) ou salgado.

O plantio era feito em terraços e já usavam a adiantada técnica das curvas de nível, sendo os primeiros a usar o sistema de irrigação.

Ervas aromáticas e medicinais também eram plantadas e as folhas de coca; hoje uma ingrediente essencial nas altas altitudes; eram reservadas para a elite.
O ají , um tipo de pimenta, foi o mais nobre condimento da comida indígena, inteiro ou moído, cru ou cozido, só, recheado ou misturado com outros condimentos, foi o tempero chave das grandes e pequenas comidas aborígenes.

Atualmente se está voltando às origens e ao consumo de alguns destes, antes esquecidos, como a quinoa e o amaranto, que já algumas décadas o mundo descobriu seus grandes valores nutricionais, e foram inclusive incorporados a dieta dos astronautas da NASA. Sendo a quinoa considerada pela Organização das Nações Unidas o alimento mais completo do planeta.

Essa alimentação é fruto dos diferentes climas ao longo de toda a cordilheira: de litoral, serra, deserto... São mais de 89 micro-climas, dos 110 existentes no mundo – o que gera uma riqueza muito grande de ingredientes e sabores.

EQUADOR

Gastronomia do Equador
A principal característica da culinária andina está justamente na fusão de alimentos. As heranças indígenas e os hábitos alimentares trazidos pelos espanhóis e outros povos que chegaram ao continente, promoveram uma grande mistura, possibilitando recriar e até se apropriar de outros valores culturais para se constituir em uma gastronomia muito autêntica e original.

Uma demonstração deste delicioso caldeirão cultural eu encontrei no Equador; onde iniciei o Turismo Gourmet Sem Frescura; que apesar de ser um país pequeno, tem uma a gastronomia bastante variada. Isto se deve a que no país se encontram quatro regiões naturais (Costa, Andes, Amazônia e Insular) as quais têm diferentes costumes, tradições e bem como ingredientes.

Doente de Tão Saudável

Meu roteiro no Equador iniciou pela cidade de Quito, onde eu fiquei dois dias que foram suficientes para me deixarem doente de tão saudável.
Tudo em excesso pode fazer mal...
Neste caso foram as frutas exóticas e coloridas que, seduziram o olhar, estimularam minha curiosidade e arruinaram meu aparelho digestivo, com o seu tanto de fibra consumida neste escasso tempo.
Em conseqüência, tive que controlar minha gula de provar tudo o que gostaria. Uma pena, pois a gastronomia equatoriana é riquíssima e deliciosa.
Algumas das frutas exóticas que provei foram foram: Óbito* (que se come adicionando sal); Tomate de Árbol (que ainda que se pareça de longe com o tomate, tem um gosto que lembra o açaí. O provei em suco, mas, pode ser a base de um molho onde se agrega também o ‘aji’); Naranjilla (que se parece à laranja em uma versão menor, mas de sabor mais amargo) Pepino Dulce ou Pepino Melón, no Peru (na verdade não tão doce, mas realmente lembra o sabor do melão); Xuxo (É uma fruta sem muito sabor, pouca polpa e muitas sementes).
*Juro que entendi o nome "óbito" para a fruta, mas não encontrei nenhuma outra referência desta. Caso alguém tenha informação de outro nome para a fruta que aparece no canto inferior direito da foto ao lado, por favor, me corrija. Que tétrico...

“Sin maíz no hay país”
Depois de conhecer um pouco o tanto de frutas que os nativos também consomem, visitando o Parque Alameda, me dirigi a outra praça, no coração do Centro Histórico da cidade, para tranquilamente ver os preparativos da efervescente manifestação de apoio ao governo federal, o qual havia sofrido um abalo grande com uma polêmica tentativa de golpe de estado, alguns dias antes.
Enquanto refletia no que meus olhos viam; tentando entender tudo o que estava relacionado a este momento histórico tão importante do Equador, almoçava um Tamal* com suco de Tomate de Árbol.
*Este Tamal era salgado, com queijo, envolvido na própria palha da espiga de milho, cozido no vapor e levemente tostado.
Minha sobremesa foi uma degustação de chocolates, de variadas concetrações de cacau. Não resisti e comprei algumas barras de chocolate com 100% cacau -muito interessante de conhecer e muitíssimo amargo de comer.
No próximo dia, minha missão era conhecer o Mercado Central, onde sempre se encontra muitos produtos de todo o país, pratos típicos e inúmeros nativos.
A localização do mercado amedronta um pouco, mas seu interior, ainda que simples, tem uma praça de alimentação aceitavelmente limpa. Nela servem-se, entre os inúmeros pratos, muitos que têm peixe e mariscos como base. Eu escolhi o Ceviche Mixto, uma espécie de X-Tudo de Ceviche, com mariscos, camarão, etc. Acompanhava guarnição de milho (uma versão quase-pipoca), como complemento um molho de ‘ají’* e limão.
Para beber, suco, muito suco, de todas as cores, de todos os sabores.
*Aqui o ‘ají’ é um molho, que se serve em quase todos restaurantes e é regionalmente preparada de formas distintas. Pode ser mais ou menos picante.
O Cebiche ou Ceviche, é a comida nacional do Equador, ainda que outros clamem sua origem. É como um vinagrete de frutos do mar, que leva principalmente, mariscos, camarões, amêijoas, lagostas, e é marinado com vinagre, azeite, suco de limão ou laranja e é preparado com tomate, cebola e ervas.
Meu próximo dia seria no arquipélago de ilhas de Galápagos, assim que aproveitei o restante do dia para um turismo básico.

Já em Galápagos, me dei conta que se come arroz, muito arroz e, alguma coisa mais, que em geral consiste plátano frito e um tipo de carne, que muito raramente é de gado, e muito freqüentemente é de frango, com algumas variações como peixe* e camarão; ecologicamente selecionado para não interferir no ecossistema preservado deste belíssimo santuário natural, delarado Patrimônio Mundial pela UNESCO; tudo antecedido de um caldo que é a entrada obrigatória de qualquer refeição na nação, não importa a estação.
*Pratos com frutos do mar e peixes são muitos consumidos na costa equatoriana e sua extensão no Oceano. Entre os mais consumidos peixes se encontram a corvina e a truta.
Meu alomoço foi justamente isto, uma sopa* seguida de camarão ao molho de leite de côco, com arroz e plátano verde**.
*As sopas (conhecidas também como aguados ou caldos) são uma instituição nacional e, diz-se que não há outro lugar no mundo que se coma tanta sopa como no Equador. São preparadas com diversas verduras, geralmente com carne de frango e, freqüentemente são servidas nas ruas inclusive como café-da-manhã.

**Equador é um importante país produtor e exportador de banana e plátano, e este é um importante elemento na gastronomia, em especial na costa equatoriana. Existem três principaís variedades de plátano, sendo as três mais importantes: o plátano verde, o plátano maduro e o guineo. O plátano verde é servido geralmente frito ou fervido, tem um sabor salgado e uma consistência dura. O plátano maduro come-se frito ou fervido igualmente, porém tem um sabor mais doce e uma consistência mais suave e o "guineo" pode ser comido cru como qualquer outra fruta.
Esta composição era a base dos pratos servidos em restaurantes. Entretanto, eu busquei algo mais autóctone e aproveitei a disponibilidade e possibilidade* de comer a Lagosta de Galápagos, pois tartarugas e iguanas não estão permitidas sobre a mesa em momento algum.
* A pesca da lagosta ‘roja’ e ‘verde’ são permitidas sazonalmente, com a autorização e controle do Ministério do Ambiente.

Em minha última noite na Ilha de Santa Cruz jantei um ‘bisque’ de lagosta com creme, tomilho e conhaque, com o qual me despedi do arquipélago e de minha indisposição digestiva.
Já com os pés no continente, tive uma experiência mais próxima da vida dos nativos, com alguns Guayaquilenhos que conheci ao longo do caminho e outros estrangeiros que se somaram. Com eles tive uma noite prévia ao meu aniversário muito animada.

Guayaquil é a maior cidade do país, ainda que não a capital. Além de grande, também tem lugares muito agradáveis e revitalizados como seu o bonito ‘Malecón 2000’ - um calçadão a beira do rio que dá nome a cidade e, o boêmio e antigo bairro de Las Peñas, onde se originou a cidade. Nele está o morro Santa Ana, onde as noites são mais frescas e alegres, onde os vizinhos jogam bingo ao ar livre e, os nativos junto aos visitantes se misturam para dançar os ritmos latinos antes mesmo do primeiro brinde da noite.
Tem uma vista belíssima da cidade, bares, restaurantes, boates, cafés. Subindo-se alguns dos seus 444 degraus se encontra a melhor empanada da cidade na Casa de las Empanadas. Um negócio simples acomodado em um só ambiente e, as empanadas são fritas sob o olhar curiosos e a boca molhada dos clientes. Deliciosas e baratas, são o ideal para pré ou pós festa!
Durante a festa, cerveja.

O que se bebe se não o vinho?
Como se deduzir pelo meu relato, o que faltou em minha viagem no Equador foi vinho.
Não há produção nacional, tampouco o consumo é difundido e expressivo.
As preferências líquidas dependem da situação. Além da cerveja para uma noite entre amigos o suco natural de frutas está sempre à mesa acompanhando as refeições, junto à ‘colas’*.
*Colas são no Equador todas as bebidas não alcoólicas com gás.
Sucos frescos com água ou leite (batidos) são muito populares no Equador e, a possibilidade de escolha é imensa. Ali também se aprecia a vitamina de abacate, que ao com exceção do Brasil é pouco comum em outros países latinos, pois consomem o abacate principalmente em pratos salgados.
Água mineral se pode comprar por todos lados, com exceção do arquipélago de Galápagos onde somente encontrei água ‘purificada’ (água de efluentes naturais em bosques da parte mais alta da Ilha de Santa Cruz, purificadas em carvão ativado, lâmpada ultravioleta e ozônio) que não atendia um dos requisitos do H2O: tinha com gosto.
A bebida alcoólica mais consumida, junta a ‘punta’ (uma aguardente de cana de açúcar, principalmente no campo), é a cerveja, como já havia mencionado.
Os vinhos importados são originários principalmente do Chile, Argentina, Califórnia ou Espanha. A oferta dos grandes supermercados são das marcas mais conhecidas como Casillero del Diablo (Chile), Unduraga (Chile), Masson (California).
Ainda que um pouco mais difícil de encontrar à venda, há também a bebida que; em minha opinião; é a mais tradicional dos povos andinos: Chicha*.
*É uma bebida espessa, fermentada, que pode ser preparada de vários ingredientes, as, é tradicionalmente feita de milho.


Não poderia deixar Equador sem provar o caranguejo (Cangrejo Rojo del Mangle) servido com bananas assadas e comido depois de martelar o pobre bixo, que jaz saboroso no prato. Para acompanhar, sugere-se e, eu segui a recomendação: cerveja, sendo que a minha escolhida foi uma marca brasileira que está conquistando uma boa fatia do sedento mercado latino americano.
Minha última degustação tradicional em Guayaquil foi o que classificam como uma bebida e eu, como um mingau: Colada Morada, que é uma bebida     tradicional, densa, preparada com o milho ‘morado’, frutas como naranjilla, abacaxi, amoras, morangos, bem como o mirtilo selvagem, tradicionalmente consumido em 2 de novembro, Dia de Finados, quando é acompanhado por Guaguas – um pão doce com frutas cristalizadas em formato humano.
Sem pensar muito na simbologia fúnebre relacionada, eu sentia-me pronta para seguir rumo ao meu próximo destino, Peru, em um percurso que mais tarde eu registraria como o mais longo de toda minha vida... e olha que eu sou viajada!

Esta turnê continua...
 Até breve,







Fontes de Informação:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Civiliza%C3%A7%C3%A3o_Inca
http://www.voltairenet.org/article158295.html
http://www.fundacionsmithnagal.org/cultivos.html
http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/077/comer/conteudo_422845.shtml
http://www.ecuaworld.com.ec/cocina_ecuatoriana.htm
http://es.wikipedia.org/wiki/Gastronom%C3%ADa_de_Ecuador
http://www.revistaturismo.com.br/materiasespeciais/gastronomia.html http://en.wikipedia.org/wiki/Tamale#South_America

Fotos:
Com exceção do mapa do Império Inca (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Inca-expansion.png), todas as fotos são de minha autoria.