Bolívia - Turismo Gourmet Sem Frescura III


Restaurante popular em La Paz
Talvez a empatia não exista somente entre indivíduos, mas também nas relações de pessoas e lugares.

Mercado em Sucre
Não sei o que a Bolívia pensou de mim em minha estada em seu território, mas eu tive dificuldades em sentir-me conectada ao lugar.


Até nos olhos de seu povo buscava a compreensão de sua cultura, mas, tampouco eles queriam se comunicar.

Talvez não tenha me envolvido o suficiente com este país, de paisagens dramáticas, grandes alturas e muita pobreza sócio-econômica. Por isto, não vou usar minha viagem ao país para uma análise pré-conceituosa do que pode ter sido uma incompatibilidade de gênios.



COCA E VINHO
Bolívia tem um cenário natural singular, de montanhas de altitude, desertos de areia e, um mar sal. É difícil imaginar que algo que se plante, cresça. Mas, há cultivos fundamentais para a economia do país, um deles é da coca, que faz parte da vida e história desta nação.


O consumo da folha de coca é quase tão essencial para os bolivianos como é o consumo de água para o restante da civilização.

Ainda que a produção nacional represente 19% da produção mundial, atrás da Colômbia e Peru que produzem 43% e 38% respectivamente, é na Bolívia que mais se percebe o consumo pela população.

Na era dos Incas era um privilégio da hierarquia da sociedade, mas, tornou-se uma necessidade de consumo para um povo pobre, faminto e explorado. Mascar folha de coca era o único ânimo para aqueles que trabalhavam exaustivamente nas inúmeras minas subterrâneas do país e, também, uma fonte de suplemento alimentar em uma dieta paupérrima.


O Museu da Coca, em La Paz, tem dados muito interessantes. Aqui reproduzo um fato curioso relatado no texto de Dr. Jorge Hurtado G. e Lic. Sdenka Silva B: a origem da Coca-Cola, que está mais relacionada ao vinho do que eu poderia imaginar.


“A aplicação comercial das folhas de coca mais reconhecida em todo mundo foi o vinho Mariani. Inventado por Ângelo Mariani na França em 1873 e comercializado em qualquer lugar do mundo. Desde sua introdução no mercado, por seus efeitos estimulantes, teve muito sucesso na Europa e EUA.


Em reconhecimento aos benefícios recebidos por seu uso, o papa Leon XIII, concedeu-lhe uma condecoração com a medalha de ouro.


De acordo com estudos clínicos conduzidos na época, o vinho Mariani continha 0,12g de cocaína por 28g de licor.


Muitas imitações do vinho Mariani foram lançadas. A mais feliz foi a de John Pemberton, farmacêutico de Atlanta, em 1886, com o nome de FRENCH WINE COCA, que continha também, extrato de nozes, cola de Ghana com uma porcentagem elevada em cafeína – em porções muito mais elevadas do que o café e, que teve muito sucesso.


Não obstante, por causa da lei seca nos Estados Unidos, mediante a qual se proibia bebidas que continham álcool, teve que encontrar uma fórmula que tivesse as mesmas propriedades estimulantes, porém, sem álcool, bebida que chamou posteriormente de Coca-Cola.

Em 1912 Harvey Wiley empreende uma ofensiva contra a Coca-cola, que terminaria com a ‘descocalização’ e a proibição da cocaína em 1914.”

Puchero






Lapping con Choclo
Santeñas









VINHO, PROPRIAMENTE DITO


Bem menos popular que a folha de coca, há o vinho na Bolívia.
Provei dois exemplares da produção nacional, de distintas qualidades, um do produtor Campos de Solana: Gran Reserva, Colección de Altura, Cabernet Sauvignon que era o equivalente a um vinho de mesa.
Já o segundo da família Kohlberg: Tierra Dorada, Syrah 2008 era um venha vinho mais elaborado, porem que também teria muitas dificuldades em competir fora de sua origem.

Porém, há muito que se produz vinho por aqueles pagos. As primeiras videiras chegaram à Bolívia no século XVI, a partir do Peru, trazidas pelos jesuítas missionários.

Durante séculos, a agricultura tem sofrido com os vaivens da política, econômica e estrutura social, sustentando-se basicamente na agricultura familiar.


Por muitos anos, a viticultura da Bolívia sobreviveu graças aos esforços e tenacidade dos produtores, sem qualquer apoio de políticas governamentais de desenvolvimento ou financiamento.


Além disso, os viticultores tinham pouca experiência em técnicas de gestão e matéria-prima, como clones.


A área vitivinícola mais importante está em Tarija, na região do Vale do Guadalquivir, conhecida como a Andaluzia boliviana.


O vale central de Tarija é o maior produtor de uva na Bolívia. A variedade mais utilizada é Moscatel de Alexandria, que responde por quase 80% das culturas de uva branca. A Negra Criolla é a tinta mais abundante. Em quantidades menores se encontra também: Cabernet Sauvignon, Malbec, Tempranillo, Merlot, Grenache, Syrah, Barbera, Franco Colombard, Riesling, Chardonnay e Sauvignon Blanc.


Os vinhedos de Tarija são distribuídos por 3 áreas: o Vale do Rio Guadalquivir, o Vale do Rio Carnacho e Vale do Rio Santa Ana.


Atualmente o Vale Central de Tarija tem 2,3 mil hectares de vinhas, seis principais empresas vinícolas, e de vários produtores artesanais.


O solo do Vale Tarija é ideal para a viticultura: Aluvial, argiloso profundo ou solo franco-arenoso com matéria orgânica e, boa permeabilidade e drenagem.


Com 300-600 milímetros de chuva por ano, os vinhedos da Bolívia necessitam de irrigação da água proveniente dos rios.


As técnicas de irrigação variam. A maioria de irrigação de inundação, algum uso de sulcos, e poucas vinícolas com sistemas de gotejamento computadorizado


Neste país crescem alguns dos mais altos vinhedos do mundo. Eles estão entre 1688-2000 metros acima do nível do mar, o que implica a acentuada variação de temperatura diurna, o que é um fator no determinante para a qualidade e diferenciação destas terras.


O Vale Central tem um clima de temperatura e uma temperatura média anual de 18,6 oC, com uma média máxima de 26,3 ° C, com ocorrência de geadas 33 noites por ano.

Porém a maior adversidade natural enfrentada é o granizo, sendo considerado um ‘flagelo natural’ para a produção agrícola nacional.


Ainda que com todo empenho, dedicação e esforços dos bravos que trabalham pela viticultura nacional, os vinhos são simples e mostram todas as adversidades de uma produção que não é uma necessidade e, tampouco vai ser enquanto as prioridades estiverem bem mais básicas.


Sem mencionar as condições naturais que em nada favorecem a viticultura, mas oferecem a aqueles que se aventuram a explorar seu território algumas das paisagens mais fascinantes da Terra.


Salar de Uyuni
Impressionada com o que meus olhos vislumbraram e carregando alguns quilos extras de poeira acumulada, eu encerrei minha viagem no território em Uyuni, rumo ao Chile, este sim, com muitas histórias de vinho para contar.

Até a próxima e última parte de meu relato do Turismo Gourmet Sem Frescura!







Fontes de Informação:
Viñas, Bodegas & Vinos de America del Sur 2005, Austral Spectator, ISBN 987-20914-1-2